Volante deu longo relato ao falar sobre a relação com o clube do coração no dia em que a Resposta Histórica completa 98 anos
No dia em que a Resposta Histórica completa 98 anos, o site “The Players’ Tribune” publicou uma entrevista com Juninho, volante criado na base do Vasco. No relato, o jogador relembra o início da carreira no Flamengo antes de chegar a São Januário, a relação com o clube do coração e a luta para se tornar jogador de futebol após o abandono dos pais.
– Com palavras simples, como estas que eu estou escrevendo agora, o clube mandou o papo reto: abandonou o principal campeonato da época por ser proibido de inscrever seus jogadores pretos, pobres e trabalhadores. Nem preciso dizer que me identifico com a história do Vasco. Se eu estou em campo hoje, vestindo essa camisa, é porque lá atrás os vascaínos compraram a briga para que pessoas como eu tivessem o direito de jogar futebol. Minha história não é diferente. Eu também tive que lutar muito para chegar até aqui. Pra minha sorte, encontrei um clube disposto a lutar — e que segue lutando — por mim. O clube do meu coração – escreve.
Juninho conta que trabalhava com o pai em uma padaria e depois em uma barraca. Como não teve infância, um dia saiu para jogar bola com o primo e acabou sendo expulso de casa. Quando foi pedir abrigo no alojamento do Flamengo, ele descobriu que o pai tinha tirado ele do time e, sem contato com a mãe, acabou indo para a casa da tia.
– Jamais vou esquecer o que senti no meu primeiro dia de sono na casa deles. Foi uma sensação muito boa. Eu fui dormir cedão e acordei às nove da manhã! Primeira vez na vida que levantei sem ninguém me tirando da cama, sem ter que sair de madrugada para trabalhar. Caraca, então é assim que as outras crianças vivem? Será que eu não tô sonhando? Foram quatro meses vivendo sem pressão – relembra.
Depois de se destacar no Volta Redonda, Juninho foi chamado por vários times, mas escolheu o Vasco. No início, admite que deu trabalho, mas demonstra gratidão ao clube. O jogador também relembrou a estreia no time principal justamente contra o Flamengo.
– Em vez de me mandar embora, o clube me acolheu. Quando geral me virou as costas, o Vasco estava lá para me apoiar. As tias do Colégio, assistente social, psicóloga… Eu teria que escrever um livro para agradecer todo mundo que me ajudou. Não fosse por eles, eu não estaria onde estou hoje, a real é essa – diz.
Juninho relembrou também o caso de racismo sofrido por jogadores do Vasco no jogo com o Oriente Petrolero, em jogo pela Sul-Americana de 2020. O árbitro apenas deu cartão amarelo para o zagueiro Ricardo Graça, que reclamava das ofensas.
– Por isso Camisas Negras é a música do Vasco que eu mais gosto. Ela recorda os ideais do clube que lutou por negros e operários. E que continua lutando contra o racismo. Em 2020, num jogo na Bolívia, eu estava aquecendo quando escutei alguns sons diferentes vindos da arquibancada. Demorei a entender. Não era um torcedor. Era o estádio inteiro imitando macaco e fazendo “uh uh uh” para me provocar. Cara, eu nunca tinha vivenciado uma coisa dessas antes. Foi muito ruim, muito revoltante. Mas o Vasco não se calou. Na hora, todos os jogadores me defenderam. Inclusive, o Ricardo Graça, que é branco, foi um dos primeiros a reclamar com a arbitragem. A diretoria me deu apoio, denunciou os atos e fez um manifesto cobrando respeito. Também recebi muitas mensagens de solidariedade dos nossos torcedores. Não tem como ser Vasco e ser racista, impossível – relembrou.
– É por essas e outras que meu sentimento de gratidão pelo clube será eterno. O Vasco me fez ser quem eu sou. O Vasco cuidou de mim quando meus pais não estavam presentes.
Há 98 anos, o Vasco publicava a resposta histórica, carta elaborada por José Augusto Prestes, então presidente, na época em que o futebol ainda era bastante elitista e não permitia a participação de negros e pessoas de origem humilde, como operários. Em 1924, a Associação de futebol (AMEA) determinou algumas condições para a inclusão do Cruz-Maltino e uma delas era a exclusão de 12 jogadores alegando a necessidade de um maior controle sobre “a moral no esporte”. O clube informou na carta que não participaria da associação por não concordar com as determinações. Na época, o clube disputou uma liga alternativa e desde então, defendeu as causas sociais e a luta contra o racismo, sendo um dos marcos de sua história. A data e o ofício sempre são lembrados como troféus e orgulham o torcedor vascaíno.
– Eu quero fazer um gol pelo Vasco, tirar a camisa, levantar pro alto e comemorar com a torcida em São Januário. E quero que todos os torcedores cantem Camisas Negras. Tá, essa é uma música que nossa torcida só canta antes dos jogos começarem. Me dá vontade de estar na arquibancada de novo, ainda mais agora que aprendi a letra, só para poder cantar com vocês. Humildemente, este é meu único pedido, o meu sonho de menino. Comemorar um gol e ouvir a nossa música. Para guardar pra sempre na memória o orgulho de ser representado, de ser um torcedor dentro de campo – completa.