Maconha é discutida na sede da ONU pela primeira vez

Só no ano passado, a venda do setor no país aumentou 43% na comparação com 2020


Por Valéria França
Nova York, EUA

Pouco mais de um ano após legalizar o uso recreativo da maconha para os cidadãos maiores de 21 anos, Nova York recebeu na quinta-feira (5) o primeiro evento de cânabis organizado na ONU.
O encontro é uma consequência do impacto da planta na sociedade, especialmente durante a pandemia, quando todos os dispensários médicos da substância nos EUA foram classificados como “serviço essencial”.

Só no ano passado, a venda do setor no país aumentou 43% na comparação com 2020.


Batizado de Regenerative Cannabis Live, o fórum foi organizado pelo americano Patrick McCartan, CEO da Regennabis Ventures, fundo que investe no setor.
Entre outros temas, a governança ambiental, social e corporativa (ESG, na sigla em inglês) estava entre os assuntos debatidos pelos 32 palestrantes do evento. Na plateia, o terno e a gravata típicos de eventos executivvos foram deixados de lado e substituídos por roupas menos sisudas.
Uma das pessoas mais importantes do setor, Steve DeAngelo compareceu ao encontro usando suas tranças tradicionais e com seu chapéu característico. “Esse é um grande passo para o setor da Cannabis, o reconhecimento da importância do segmento”, disse ele, que é o fundador da Harboside Help Center, o primeiro dispensário aberto nos EUA. A empresa hoje é o maior centro medicinal da substância no país, com ações negociadas na Bolsa.
O evento atraiu os maiores nomes do mercado, com representantes de Índia, Canadá, Malta, Panamá, Argentina, Paraguai, Qatar e até do Brasil.
“Esse é o sinal do quanto a indústria da Cannabis é pulsante”, disse Alex Lucena, diretor de inovação da The Green Hub, aceleradora de startups do setor.
“O Brasil é dono de um grande potencial. Temos terras e clima para plantar o cânhamo, além de tecnologia”, afirmou ele. Além do óleo medicinal, extraído da flor, o restante da planta pode ser usado para a produção de tecidos e de outros materiais.
“Somos o único país desse encontro sem regulação, apesar de já existir uma indústria nacional de Cannabis”, disse Patrícia Villela, palestrante do evento e presidente da Humanitas360, empresa sem fins lucrativos que desenvolve um trabalho social com a população carcerária.
Nos últimos dois anos, a Anvisa (Associação Nacional de Vigilância Sanitária) aprovou a comercialização de ao menos 12 óleos à base de cânabis.
Em seu discurso, Patrícia lembrou que o país já foi protagonista neste setor. Há 40 anos, os cientistas Elisaldo Carlini e Raphael Mechoulam, de Israel, descobriram o potencial da Cannabis no tratamento de epilepsia –o CBD (canabidiol, substância não psicoativa da maconha) pode ser usado como anticonvulsivo.
Desde então, as pesquisas evoluíram e as substâncias derivadas da planta viraram tratamento dores do câncer, fibromialgia, insônia e depressão, entre outros.
“O mercado de Cannabis, que até recentemente era criminalizado e marginalizado, alimentando o preconceito racial e estigmatizando culturas, saiu da ilegalidade pela pesquisa científica, pela advocacia investigativa e pela prática da cidadania”, disse Patrícia.
A Anvisa só regulou a importação da substância em 2014, depois de muitas manifestações públicas das chamadas mães da Cannabis, mulheres que tinham filhos que sofriam de síndromes raras e que usavam derivados da maconha no tratamento.
Essa regra acaba favorecendo apenas quem tem dinheiro para pagar os altos custos da importação dos medicamentos. A outra opção é entrar na Justiça para que o Estado se responsabilize pelo tratamento. Atualmente, os remédios com derivados de cânabis comercializados nas farmácias nacionais custam R$ 2.100, em média.
“A Cannabis faz parte de uma agenda pública e de saúde de efeitos positivos, que abrem oportunidades institucionais, científicas e de recuperação dos biomas degradados”, disse Patrícia, durante o evento. “Não é uma questão de religião, mas de fé.”
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