O status da varíola do macaco no Brasil é de transmissão comunitária, o que significa que o vírus já infectou pessoas que não viajaram nem tiveram contato com quem esteve em países onde há surto da doença. Nesse cenário, alguns cuidados devem ser redobrados não só no dia a dia, como também nos serviços de saúde.
Em entrevista recente ao R7, a virologista Camila Malta, pesquisadora do Laboratório de Investigação Médica do Hospital das Clínicas da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo) e do Instituto de Medicina Tropical, explicou que a vigilância deve aumentar.
“Como nós já temos a doença circulando por aqui, um clínico não pode simplesmente descartar um diagnóstico de varíola do macaco pelo [fato de o] paciente não ter viajado. A pessoa pode não ter tido contato com ninguém e ainda assim ter contraído [o vírus]. A atenção de médicos e órgãos de vigilância deve se voltar para essa informação”, afirma.
O infectologista José Ângelo Lindoso, coordenador do Grupo de Doenças Negligenciadas do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, em São Paulo, destaca que, apesar de o monkeypox ser um vírus conhecido, a forma como a varíola do macaco tem se manifestado clinicamente é diferente do observado na África, onde a doença é endêmica em alguns países.
“A varíola do macaco está acometendo principalmente homens que fazem sexo com homens, essa é uma característica epidemiológica primordial desse surto atual. Ainda não sabemos ao certo se a transmissão [também] é sexual, mas a grande maioria dos casos que já foi descrita, inclusive os [infectados] que procuraram a instituição Emílio Ribas, quase todos tinham lesão genital”, afirma o especialista.
Vale ressaltar que, apesar de o grupo formado por homossexuais concentrar grande parte dos casos de varíola do macaco atualmente, a doença não é exclusiva dessa população.
O vírus pode infectar qualquer pessoa, de crianças a idosos, basta o contato com a secreção proveniente das bolhas causadas pela infecção, assim como o compartilhamento de objetos com pessoas infectadas ou mesmo o contato com a secreção de animais infectados. A transmissão do monkeypox também é possível de mãe para filho durante a gestação.
Outro ponto é que ainda não se sabe, por exemplo, se pessoas assintomáticas podem transmitir o vírus, ou mesmo se a proporção de pessoas que são infectadas e não manifestam sintomas é parecida com a daquelas que desenvolvem o quadro clínico da varíola do macaco.
Apesar de os riscos de infecção pelo monkeypox terem aumentado com a transmissão comunitária no país, a virologista Camila Malta ressalta que o vírus não é tão contagioso como o causador da Covid-19, por exemplo, o que, ainda assim, não diminui os cuidados que as pessoas devem ter neste momento.
“Já era esperado que isso [a transmissão local do vírus] fosse acontecer. Nos países onde essa doença foi detectada, acabou tendo transmissão comunitária algumas semanas depois. É uma doença [transmitida] por fluidos, uso de toalha, roupa contaminada. Portanto, se a pessoa mora com alguém ou compartilha utensílios ou roupas com outra pessoa, existe uma possibilidade de transmissão”, explica Camila.
Com a possibilidade de disseminação do vírus em aberto e as questões sobre a doença que ainda não têm resposta, o infectologista José Ângelo Lindoso ressalta a importância da atuação do Ministério da Saúde para mitigar o impacto da varíola do macaco no país.
“Vimos como o governo federal demorou a responder à situação da Covid, então esse é um problema. Estamos preparados para organizar rapidamente ações preventivas ou pelo menos a diminuição do risco de adoecimento? A doença não é muito grave, tudo bem, mas, quanto mais pessoas doentes houver, o risco de ter a forma grave aumenta. Ter mil casos é diferente de ter 100 mil, o cenário muda completamente”, afirma.
Monitoramento da doença
O Ministério da Saúde divulgou, no dia 23 de maio, a criação de uma Sala de Situação para monitorar o monkeypox no Brasil. O objetivo é elaborar um plano de ação para o rastreamento de casos suspeitos e a definição do diagnóstico clínico e laboratorial da doença.
No entanto, além disso, nada foi divulgado sobre medidas de contenção, nem mesmo após a transmissão ter se tornado comunitária.
Para o infectologista, é importante que a pasta pense na elaboração de políticas públicas para atender o grupo mais afetado neste momento, não só para auxiliar na prevenção, como também para evitar a estigmatização dessas pessoas.
“É importante disseminar a informação correta na mídia e trabalhar com ONGs específicas que atuam diretamente com esse grupo. Não podemos deixá-los vulneráveis [os indivíduos]. É um momento de se organizar, até pelo pouco entendimento que temos da doença e da transmissão”, afirma Lindoso.
Uma das estratégias de prevenção que poderiam ser utilizadas, segundo o infectologista, é o incentivo ao uso de preservativo durante as relações sexuais, mesmo que ainda não haja uma confirmação sobre a possibilidade de o vírus ser transmitido sexualmente.
“Tem alguns pouquíssimos trabalhos que detectaram o DNA do vírus no líquido seminal, mas isso não quer dizer que o vírus esteja vivo lá. Agora terá outros estudos sobre essa questão. O uso de preservativo é um ponto que deveria ser bastante reforçado, é fundamental a conscientização, porque não adianta só fornecer [preservativo]. Estamos construindo uma nova informação sobre uma nova doença, apesar de a varíola do macaco ser conhecida do ponto de vista de transmissão, é um novo formato que estamos enxergando”, diz o infectologista.
Em alguns países, como os Estados Unidos, a vacinação contra o monkeypox foi estabelecida para pessoas expostas ao vírus, o que inclui homens que fizeram sexo com outros homens em regiões onde há registro de surto. No Brasil, por outro lado, o tema ainda não entrou em pauta.
O infectologista explica que não existe consenso sobre a vacinação, sobretudo em relação à necessidade de vacinação em massa, já que o mundo ainda atravessa a pandemia de Covid-19, com laboratórios produzindo em larga escala as vacinas contra o coronavírus.
“Não temos capacidade de produção de vacina no Brasil para fazer a vacinação em massa. Primeiro temos que ver qual população nós vamos focar, depois pensar no que queremos com a vacina, se é impedir o adoecimento ou impedir a infecção, que são coisas diferentes”, explica o infectologista.