Com a sucessão municipal já deslanchada com 18 meses de antecedência e com quase uma dezena pré-candidatos se posicionando para a disputa da prefeitura de Itabuna em 2024, esta segunda-feira (24) será marcada pelo primeiro aniversário da morte do ex-prefeito e ex-deputado federal Fernando Gomes Oliveira, que faleceu aos 83 anos e não deixou herdeiros no seu legado político. Hoje, o único nome da sua família neste processo que promete ser muito disputado, é o do advogado e ex-presidente da OAB-Bahia, Dinailton Oliveira (Republicanos), seu sobrinho, mas há quem acredite que a viúva do político, Sandra Neilma possa entrar no processo sucessório como vice de alguma candidato majoritário, o que fica até agora no campo das suposições.
Ainda na área das hipóteses também luta por espaço nesse testamento político em aberto, o ex-prefeito José Nilton Azevedo(União Brasil), o Capitão Azevedo, um político populista e que busca retomar o espaço perdido ao longo dos últimos anos. A disputa sucessória tem ainda como personagens o prefeito Augusto Castro (PSD), que tenta quebrar o tabu da não reeleição em Itabuna, além de Fabricio Pancadiinha ( ) , que teve mais de 23 mil votos para a Assembleia Legislativa, competindo com Geraldo Simões (PT), o médico Isaac Nery (Republicanos), Aldenes Meira(PV) além da Harrison Nobre e do engenheiro e empresário Chico França, ambos do PL, sendo que este último aparece como um outsider da politica e o único nome novo no processo sucessório e com atuação no campo empresarial.
Quem foi
Fernando Gomes foi um político populista, que por cinco décadas esteve no epicentro da política local e regional. Ele se consolidou como uma das principais lideranças regionais, conseguindo alianças com os ex-governadores Antonio Carlos Magalhães (à direita) e Rui Costa (à esquerda), hoje ministro do governo de Luís Inácio Lula da Silva, de quem FG foi opositor. Ele morreu sem concretizar um dos seus sonhos: a criação do Estado de Santa Cruz, um projeto que apresentou na Câmara Federal e que por pouco não vingou.
Natural de Itabuna, onde nasceu no dia 30 de junho de 1939, filho de José Oliveira de Freitas e de Ester Gomes de Oliveira, fez curso técnico em contabilidade no Colégio Comercial de Itabuna entre 1961 e 1963, período em que se filiou ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Ao longo desses anos, dedicou-se a atividades agropecuárias em suas propriedades no sul e no sudoeste do estado.
Era divorciado de Gislene Neiva Monteiro Oliveira, com quem teve quatro filhos e foi casado em segundas núpcias com Sandra Neilma, mãe de duas filhas do ex-prefeito. Historicamente, os seus mandatos foram exercidos de 1º de janeiro de 1977 a 31 de dezembro de 1982, 1º de janeiro de 1989 a 1992, 1º de janeiro de 1997 a 31 de dezembro de 2000, 1º de janeiro de2005 a 31 de dezembro de 2008 e 1º de janeiro de 2017 a 31 de dezembro de 2020. Também foi deputado federal 1983 a 1988, (constituinte) 1987 a 1988 de 1995 a 1996.
História e livro
Há mais de 50 anos no epicentro da política de Itabuna e por extensão do Sul da Bahia, depois de cinco mandatos como prefeito e outros três como deputado federal, Fernando Gomes foi um político polêmico e controvertido. A compreensão deste fenômeno tem um referencial: o livro Fernando Gomes – O político / uma vida por Itabuna, doutorando em ciências sociais Fernando Caldas, hoje vivendo em Portugal e integrante da Academia Grapiúna de Letras – Agral.
O livro aborda a trajetória política de Fernando Gomes desde o início, na década de 1970 até 2008, quando terminou o seu quarto mandato na prefeitura de Itabuna, traça também um perfil de um tocador de obras, mostrando não apenas as suas realizações, como também o seu papel como oposicionista do regime militar filiado ao MDB e depois ao PMDB, prevendo inclusive a agudização da luta entre fazendeiros e índios pela posse da terra. O que ocorreu em Itajú e mais recentemente no triângulo formado por Buerarema, Ilhéus e Una. A questão foi levada por ele ao Congresso Nacional e às lideranças do governo.
A obra, é a primeira de uma trilogia a ser complementada, com um livro sobre Fernando Gomes – O homem , mostrando o seu lado religioso, passional e romântico, além de revelar as suas relações com a família, vínculos afetivos e o que o autor considera “sua abertura irrestrita aos povos de terreiro, as comunidades gays e outras tribos, sem quaisquer preconceitos, comuns a pessoas de sua geração”.
A trilogia, por certo, será complementada por um terceiro volume com foco na vida empresarial de Fernando Gomes, que sempre investiu no setor da pecuária e chegou a ter um rebanho de 23 mil cabeças de gado.
Capítulos
Em Fernando Gomes – o Político, o projeto foi dividido em capítulos como o do Cerrado, que fala das suas atividades na agropecuária administrando a fazenda Duas Marias, e de um homem em que “tudo nele é uma paixão desenfreada. Ele é o líder nietzscheano que tantos teóricos sonham ser e não podem”, comenta o biógrafo Fernando Caldas, ao tentar mostrar como e porque Fernando Gomes se transformou no que considera como o maior mito político da região sul-baiana, desde Fermando Cuma, de 1975 até o deputado federal que participou da elaboração da Constituição de 1988, cujo “nome está presente no imaginário grapiúna, através de pilhérias, histórias fantasiosas e casos tantos”, complementa.
Em As Léguas, o livro mostra a história da família, de origem cearense e que “desde a sua origem, é de oposição às forças de direita e às oligarquias”, para concluir que “tal marca é fundamental para se entender o fenômeno Fernando Gomes, a partir de 1976, as razões que fizeram dele um porta voz dos excluídos itabunenses”, com investimentos em políticas e ações sociais. Cita como exemplo de realização na área social, a criação da Roça do Povo, considerado primeiro assentamento municipal no país.
No capítulo A política, é evidenciado que Fernando Gomes entrou neste circuito pela proximidade com esse mundo, através do irmão Daniel, já falecido e de Aziz Maron, que foi deputado federal e de quem era amigo. Maron foi também autor de um projeto que separava o Sul da Bahia do território baiano e que teve desdobramento nas mãos de Fernando Gomes que o ampliou.
Também revela Fernando Gomes como um estrategista que atuou de forma decisiva na campanha que elegeu José Oduque, depois assumindo a secretaria de administração e tendo em seguida seu nome catapultado para a disputa da sucessão municipal. Fala ainda dos encontros e desencontros dele com ACM, a quem fez oposição ferrenha e depois se tornou um aliado em função da sua amizade pessoal com Luiz Eduardo Magalhães, que chegou a ocupar a presidência da Câmara dos Deputados.
O livro faz um contraponto entre a ascensão política de Fernando Gomes na região e o fenômeno Lula, que ganhou dimensão nacional, voltando agora ao cenário político disputando mais uma eleição presidencial.O capítulo que fala do prefeito, faz uma retrospectiva das obras e realizações do político ao longo de quatro mandatos, construindo escolas, investindo na construção do Ginásio de Esportes e em infraestrutura, culminando com a construção do Hospital de Base. No seu último mandato ele construiu o Teatro Municipal Candinha Dórea numa parceria com o governo do Estado.
Sem citar nomes, o livro revela um Fernando Gomes populista e que vocifera no seu estilo contra “uns secretários incompetentes quase destruíram esse meu governo mais recente”, no período 2005/2008, mas não poupou elogios ao então secretário de educação, Gustavo Lisboa.
A história da Maternidade da Mãe Pobre ocupa um capítulo à parte no livro e a também a amizade entre Fernando e Tancredo Neves, que teve sua candidatura a presidente da República lançada em um jantar no seu apartamento funcional em Brasília e que considera um aliado importante do projeto do estado de Santa Cruz, mas que morreu sem assumir o comando do governo.
O livro fala ainda da privatização da Sulba, vendida com subpreço pelo governo do estado e de problemas com o TCU provocados pelos secretários José Henrique, Isaac Ribeiro e Jesuíno Oliveira, que segundo Fernando Gomes não agiram por má fé, mas por incompetência técnica. Ele denuncia que alguém no Tribunal de Contas dos Municípios, que teria cobrado R$ 200 mil em 2008 para a aprovação das contas do seu governo, o que teria se recusado a pagar.
Estado de Santa Cruz
O projeto do estado de Santa Cruz, que foi derrotado na segunda votação por uma diferença de 16 votos, mereceu um capítulo à parte na obra. O projeto foi elaborado ainda em 1985 e o novo estado englobaria todo o sul do estado da Bahia, mais o sudoeste, grande parte do vale do São Francisco e do extremo oeste, estendendo-se até a divisa com Goiás. Caso passasse e fosse viabilizado, Fernando Gomes por certo teria sido o seu governador e quando nada ocuparia uma vaga no Senado.
O novo estado contaria com 165 municípios, uma população de cerca de quatro milhões de habitantes e cidades do porte de Ilhéus, Itabuna, Jequié e Vitória da Conquista. Em troca de uma área do norte de Minas Gerais, que passaria a integrar o estado de Santa Cruz, o projeto previa a cessão a Minas de uma faixa do extremo sul baiano, proporcionando assim aos mineiros uma saída para o mar e atraindo as simpatias de sua representação no Congresso Nacional.
Aprovado nas comissões de Justiça e Interior da Câmara dos Deputados, o projeto de Fernando Gomes esbarrou na oposição de praticamente todos os deputados estaduais baianos, que o rotularam de “divisionista” e “eleitoreiro”. O projeto foi objeto de uma ampla campanha publicitária contrária a partir de uma peça com Maria Bethânia e de uma grande mobilização de jornais de circulação no estado com o tema de que a Bahia não se divide.
O livro fala ainda do Carnaval antecipado, um sucesso de marketing da administração de Fernando Gomes e conclui, lembrando que ele nasceu para conquistar o mundo e não para sonhá-lo:
“Como nenhum outro político grapiúna, sabe se utilizar do amor e do chicote de uma maneira equilibrada. Ele acredita que ao lado de Nossa Senhora poderá tirar Itabuna das ruínas e retorná-la aos seus dias de glória”, depois de afetada por uma epidemia de violência, dengue, chikungunya e zika, e agora pela covid-19, da qual foi um sobrevivente, isso sem falar de uma estiagem prolongada que afetou o abastecimento de água e comprometeu o seu desenvolvimento até a construção da barragem do rio Colônia, construída pelo governo do Estado e inaugurada na sua última gestão.(Kleber Torres)
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Kleber Torres