Para o ministro, a jurisprudência do STF garante que as guardas municipais realizem atividades de segurança pública, o que pode aumentar a ação repressiva da polícia
O Supremo Tribunal Federal (STF) definiu nesta sexta-feira (25) que as guardas municipais fazem parte do sistema de de segurança pública. Com a decisão, fica garantido que os integrantes das guardas podem realizar o policiamento de vias e prisões em flagrante.
Por 6 votos a 5, o caso foi decidido a partir de uma ação protocolada pela Associação dos Guardas Municipais do Brasil (AGM Brasil) contra decisões judiciais que não reconhecem a categoria como integrante do sistema de segurança do país. Pelas decisões, a corporação não tem poder de polícia, e o trabalho dos guardas se restringe à proteção de bens públicos.
Diante das decisões, as prisões realizadas pelos guardas são consideradas ilegais e favorecem a soltura de criminosos. As guardas existem em cerca de 640 municípios do país.
Ao analisar o caso, o relator ministro Alexandre de Moraes entendeu que os guardas devem ser considerados agentes de segurança pública, apesar da atividade não estar expressamente inserida no Artigo 144 da Constituição, que trata da segurança pública.
“As guardas municipais têm entre suas atribuições primordiais o poder-dever de prevenir, inibir e coibir, pela presença e vigilância, infrações penais ou administrativas e atos infracionais que atentem contra os bens, serviços e instalações municipais. Trata-se de atividade típica de segurança pública exercida na tutela do patrimônio”, argumentou Moraes.
Após o voto do ministro, foi registrado empate na votação. Os ministros Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux acompanharam o relator. Edson Fachin, André Mendonça, Cármen Lúcia, Rosa Weber e Nunes Marques divergiram.
Coube ao ministro Cristiano Zanin desempatar o julgamento. Para o ministro, a jurisprudência do STF garante que as guardas municipais realizem atividades de segurança pública. “Posto isso, acompanho o relator, ministro Alexandre de Moraes, e voto pelo conhecimento e provimento da presente arguição de descumprimento de preceito fundamental”, argumentou Zanin.
O julgamento foi realizado no plenário virtual da Corte, modalidade na qual os ministros inserem votos no sistema eletrônico da Corte e não há deliberação presencial.
Estranhamento
O voto do ministro Cristiano Zanin provocou mais estranhamento na sessão de hoje. Um dos problemas é que esse posicionamento pode reforçar as revistas antidrogas, que muitas vezes atingem a população pobre e periférica com as abordagens abusivas da polícia.
Os críticos afirmam que, ao posicionar as GCMs como órgãos de segurança pública, como votou Zanin, isso dará mais autonomia para exercício da força, mais abordagens, revistas, uso de armas mais pesadas, e aumento no aparato de repressão estatal, de forma similar à militar. “O que mais impressiona é que, em uma semana ou duas de atuação, o ministro escolheu sempre o caminho conservador, e veja que sob esses casos sequer havia um ambiente de pressão como em outros mais rumorosos. Eram casos tranquilos para se posicionar”, observa Patrick Mariano.
Descriminalização da maconha
O jurista recém empossado, foi indicado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para substituir Ricardo Lewandowski. Zanin foi advogado de Lula durante o processo de perseguição política aplicado pela Operação Lava Jato. Por sua postura corrente em defesa da democracia e seu apreço por setores ligados ao presidente, seu posicionamento conservador em seus primeiros votos no Supremo chocaram parte da sociedade.
Mas apenas parte. Zanin nunca escondeu sua postura legalista. Contudo, mesmo para os mais atentos às questões do direito, seu voto da sessão dessa quinta-feira (24) contrário à descriminalização do porte de maconha para uso próprio surpreendeu; até chocou alguns. “Surpresa pois há inúmeros argumentos de ordem social, política e histórica, comprovados na prática por pesquisas, de que a política de guerra às drogas – que importamos dos EUA – é um rotundo fracasso”, relata a advogado Patrick Mariano ao Brasil de Fato.
Para o mesmo veículo, a advogada Luciana Boiteux considerou o voto “pobre”. “Muito rápido, mostrou desconhecimento, e por outro lado trouxe quase fake news. Uma argumentação do ponto de vista sociológico, com afirmações sem qualquer base científica de que a descriminalização do usuário aumentaria o tráfico de drogas. Nesse contexto, ele se aproxima muito mais de posições de direita. Apesar do tema das drogas ser uma pauta polêmica, nós tivemos um amadurecimento da opinião pública nos últimos anos”, disse.
Postura conservadora
Até mesmo a questão legalista ficou conturbada. Outro ministro que apresenta postura garantista e legalista, Gilmar Mendes, relatou a matéria. Ele defendeu, inclusive, a descriminalização de forma mais ampla. Mendes, um dos maiores doutrinadores constitucionalistas do Brasil, observou que o ordenamento jurídico brasileiro não pune a autolesão. Não há previsão do Estado promover penas e sanções para aqueles que infligirem mal apenas a si, como seria o caso do usuário.
Então, a postura de Zanin pareceu, a muitos olhos atentos e críticos, puramente conservadora. Sobre a descriminalização, inclusive, ele antecipou uma postura que tende a ser minoritária. Apenas devem acompanhar o ministro seus pares indicados por Jair Bolsonaro (PL), incluindo o “terrivelmente evangélico”, André Mendonça, que pediu vistas do processo por tempo indeterminado.
A decisão sobre o caso da maconha surpreendeu e não foi a única. Na semana anterior, Zanin foi o único ministro do Supremo contrário à equiparação de ofensas a pessoas LGBTQIA+ à injúria racial. Lei sancionada neste ano pelo presidente Lula, inclusive, trouxe equivalência da injúria racial ao racismo, o que tornou o crime mais severo, inafiançável e imprescritível.