Saúde Mental carece de atenção e tratamento




Artigo de André Elbachá*

O Dia Mundial da Saúde Mental é celebrado anualmente em 10 de outubro e aproximadamente 12,5% (doze e meio por cento) da população é afetado por questões de saúde mental, sendo que 75% (setenta e cinco por cento) dessas pessoas não recebem cuidados adequados ou não têm cuidado algum. Para esta data, o Secretário Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) defendeu que a Saúde Mental não é um privilégio, mas um Direito Humano Fundamental, devendo ser incluída na cobertura universal de saúde.

A fala do representante de ONU vem bem a calhar em razão do momento de incertezas jurídicas que a sociedade passa quando uma ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) por um lado mostra a relevante preocupação com a forma de internação das pessoas com transtornos mentais que cumprem medidas de segurança nos hospitais psiquiátricos públicos de custódia, por outro lado, deixa margem para defender a alta desses internos, sob a bandeira da “desospitalização manicomial”. Entretanto, pouco se discute sobre a atenção, o acolhimento, a qualidade e as condições proporcionadas aos pacientes dentro do ambiente hospitalar.

Em um plano perfeito das ideias, talvez de alguma forma essa situação fosse possível, mas, para tanto, esses pacientes precisariam estar curados ou, no mínimo, com o quadro clínico inquestionavelmente estabilizado, sem oferecer qualquer risco à sua própria vida, nem à sociedade. Se por um lado a ideia da desospitalização é algo afável a quem escuta o discurso, por outro lado não se pode ignorar que existem situações em que a internação é imperiosa, seja ela voluntária, involuntária ou compulsória.

É justamente esse o espírito da Lei 10.216/2001: instituir políticas públicas e privadas (porquanto atividade de interesse público) de qualidade, a fim de proporcionar ao paciente psiquiátrico o máximo de autonomia, isonomia e convívio social. Porém, essa mesma lei prevê o dever de internação do paciente, sempre que os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes.

Nesse aspecto, além da resposta terapêutica às medicações, o que varia entre cada paciente cabe destacar três pontos que são fundamentais para uma melhor probabilidade de êxito no tratamento: a autonomia do médico assistente para que possa prescrever os tratamentos que julgar mais adequados e eficazes aos seus assistidos; o ambiente (seja hospitalar, ambulatorial ou domiciliar) ao qual o paciente é submetido e as técnicas terapêuticas utilizadas por meio do acolhimento ofertado pela equipe multidisciplinar.

Outro tema jurídico que, com as máximas vênias a quem divergir, me parece um retrocesso social, foi a fixação do entendimento, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), do Tema de nº 1032, em que se definiu, de forma vinculante, que “nos contratos de plano de saúde não é abusiva a cláusula de coparticipação expressamente ajustada e informada ao consumidor, à razão máxima de 50% (cinquenta por cento) do valor das despesas, nos casos de internação superior a 30 (trinta) dias por ano, decorrente de transtornos psiquiátricos, preservada a manutenção do equilíbrio financeiro”. As críticas, sempre respeitosas ao posicionamento do STJ, se fundamentam em algumas premissas, dentre elas o fato de que o objeto do contrato de plano de saúde é a cobertura integral dos riscos à saúde do paciente, de modo que a restrição de um direito fundamental inerente à natureza do contrato deve ser considerada abusiva e nula de pleno direito (Código de Defesa do Consumidor, art. 51, §’º, II), bem como que ao fixar os preços das mensalidades, a empresa prestadora de serviços assume o risco da atividade econômica e ainda, talvez o mais importante seja o fato de que o beneficiário de plano de saúde não escolhe estar doente e não deseja ficar hospitalizado por longo tempo.

Assim, nos casos em que a internação por mais de trinta dias é imprescindível, o fator moderador da coparticipação termina por inviabilizar a continuidade do tratamento da maioria esmagadora da população usuária de planos de saúde, pois já pagam os valores das mensalidades, geralmente de custo significativo na renda familiar, abdicando de outros bens fundamentais ao próprio sustento.



Nesse Dia Mundial da Saúde Mental, que reflitamos e possamos melhorar o conhecimento sobre a sua importância, e que os nossos Três Poderes possam assumir compromissos de tratar as pessoas como um todo, impulsionando ações que promovam e protejam a saúde mental como um direito humano universal em sentido amplo, pois o importante é cuidar, e nunca excluir.

*André Elbachá Vieira é advogado especialista em Direito à Saúde e sócio da Advocacia Mendonça e Elbachá.
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