Com uma composição físico-química distinta do tipo convencional, o mel das abelhas nativas é mais líquido, menos doce e tem sabores, cores e aromas bem variados, de acordo com a espécie e a florada. (da-kuk/Getty Images)
Enquanto o grama do ouro hoje está na casa dos 380 reais, tem mel brasileiro sendo vendido a mais de 1.300 reais o litro. A comparação é válida: revelando-se um verdadeiro tesouro nacional, o mel em questão é mais raro e mais rico em propriedades medicinais do que o tradicional, por isso é tão valorizado.
A diferença está nas abelhas que o produzem. Não são as da espécie Apis mellifera (ou abelha africanizada), o tipo mais comum no país, e sim abelhas nativas brasileiras da tribo Meliponini (sem ferrão), também chamadas de indígenas ou meliponíneos.
Encontradas em regiões tropicais e subtropicais do planeta, não se trata de uma espécie apenas de abelhas. No mundo, há mais de 500 espécies sem ferrão e metade está no Brasil. São quase 250 (60 usadas na produção melífera), segundo a Associação de Estudos das Abelhas, e cada uma produz um mel diferente.
Com uma composição físico-química distinta do tipo convencional, o mel das abelhas nativas é mais líquido, menos doce e tem sabores, cores e aromas bem variados, de acordo com a espécie e a florada.
Essa diversidade vem caindo no gosto dos brasileiros, especialmente de chefs, que usam o mel como iguaria, em pratos refinados e que valorizam o produto. Alex Atala é um exemplo. O chef do premiado restaurante D.O.M. inclusive já foi o organizador de um livro de alta gastronomia em que o ingrediente é o protagonista (67 receitas com mel de abelhas nativas, Instituto Atá).
No mundo, há cerca de 500 espécies de abelhas nativas identificadas; metade está no Brasil. (Wenderson Araujo/Trilux/CNA/Divulgação)
Produto com alto valor agregado
Segundo a Embrapa, apesar de haver exceções, geralmente o número de indivíduos das colônias de abelhas sem ferrão é bem menor do que as das africanizadas. Por consequência, a produção na meliponicultura, como é chamada a criação racional dessas abelhas, além de mais artesanal, é relativamente menor, o que torna o produto mais caro.
“Uma colônia de Apis tem cerca de 60 mil indivíduos e produz mais ou menos 30 kg de mel por colmeia ao ano, dependendo das técnicas empregadas e da região. Por sua vez, algumas espécies nativas possuem colônias com aproximadamente 3 mil indivíduos e produzem em torno de 4 kg de mel por colmeia ao ano”, explica a instituição.
A produção anual da abelha jataí, uma das mais comuns no país, fica em torno de apenas 300 ml a 500 ml, informou o pesquisador da Embrapa Meio Ambiente Cristiano Menezes, em entrevista ao Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar).
“A jataí tem um mel supervalorizado, valendo até dez vezes mais do que o das abelhas africanizadas. Tem um apelo na cultura popular por ser medicinal e escoamento fácil porque as pessoas já estão sensibilizadas sobre sua qualidade e importância", disse.
No site Clube do Mel, por exemplo, um pote com 30 ml de mel de abelha jataí sai por R$39,90, o que dá R$1.330 o litro. O litro do mel de mandaçaia custa ainda mais, R$1.460.
Colmeias de abelhas jataí em Monte Carmelo (MG). Espécie é amigável, facilitando o manejo. (Wenderson Araujo/Trilux/CNA/Divulgação)
Uso medicinal milenar
O preço elevado também se explica pelas propriedades medicinais do produto, historicamente conhecidas. Relatos indicam que populações indígenas já usavam esse bálsamo há centenas e centenas de anos para combater uma série de males, como catarata, feridas e doenças da pele e do sistema respiratório.
Hoje, diversos estudos comprovam que os méis de abelhas nativas possuem ação antimicrobiana, anti-inflamatória e cicatrizante.
Pesquisadores do Núcleo de Pesquisas e Inovações Tecnológicas em Reabilitação Humana (INOVAFISIO), da Universidade Federal do Ceará, por exemplo, estão utilizando mel de abelha sem ferrão (jandaíra), da Caatinga, na busca por novos tratamentos para feridas de difícil cicatrização causadas por diabetes.
A pequena produtividade das abelhas nativas é compensada pelo alto valor de mercado. (Wenderson Araujo/Trilux/CNA/Divulgação)
Importância ecológica indiscutível
Se no sabor e nos benefícios à saúde os méis de abelhas nativas são diferenciados, é na tarefa de manter a biodiversidade dos biomas brasileiros que eles mais se destacam.
Os meliponíneos são responsáveis pela polinização de 30% das espécies da Caatinga e Pantanal e até 90% das espécies da Mata Atlântica, segundo a Embrapa. Diversas plantas, inclusive, são dependentes desses insetos para se reproduzir.
Abelhas nativas ajudam ainda na polinização agrícola
Já existem aproximadamente 40 culturas beneficiadas pelas abelhas sem ferrão, como açaí, morango e café, que são polinizadas naturalmente e de graça por elas, diz a Embrapa. Por isso, é interessante para o produtor rural manter áreas de mata perto das plantações. No açaí, por exemplo, a entidade relata casos de 400% de incremento na produtividade com as abelhas por perto. Dessa forma, todos ganham, o produtor e o meio ambiente.
Essa é também uma atividade desenvolvida por agricultores, em sua maioria familiares, que têm total interesse em manter a floresta em pé. Afinal, diferentemente das abelhas tradicionais, que se alimentam em qualquer lugar que encontrem açúcar, incluindo restos de comida, as indígenas buscam alimentos somente em flores e frutas de árvores nativas.
Ou seja, a meliponicultura é uma atividade efetivamente sustentável, que não só gera renda para quem vive em áreas de floresta, mas traz ganhos sociais e ambientais.
“Quando uma pessoa compra um pote de mel de abelha sem ferrão, não está comprando apenas um alimento saudável. Ela está ajudando a preservar a nossa biodiversidade e gerando renda para os guardiões da natureza”, salientou Menezes.