O Brasil contribuiu para a marca ao tornar-se o quinto maior gerador de energia solar no mundo, passando a Alemanha, referência no setor.

JOSÉ HENRIQUE MARIANTE
BERLIM, ALEMANHA - A energia limpa respondeu por 40,9 % da geração global de eletricidade em 2024. É a primeira vez que o patamar de 40% é superado desde os anos 1940, quando o sistema elétrico do planeta era 50 vezes menor, e a parte renovável se resumia na prática à geração hidrelétrica. O Brasil contribuiu para a marca ao tornar-se o quinto maior gerador de energia solar no mundo, passando a Alemanha, referência no setor.
Os dados fazem parte do relatório anual da Ember, think tank de energia, e mostram o copo meio cheio do setor: pela primeira vez as fontes eólica (8,1%) e solar (6,9%) juntas superaram a hidrelétrica (14,3%), acossada por secas em diversas regiões do globo; as duas fontes renováveis foram os motores de um novo recorde de geração de energia limpa em 2024, 49% maior do que o anterior, de 2022 (858 terawatt-horas contra 577 TWh).
O copo meio vazio é a constatação de que os combustíveis fósseis ainda lideram o ranking com folga, carvão (34,4%) e gás (22%) à frente. O crescimento anual desse tipo de geração, entre os principais responsáveis pelo aquecimento global, foi de 1,4%, com 223 milhões de toneladas de CO2 emitidas. A constatação irônica do estudo é que esse incremento de energia suja seria dispensável se as ondas de calor, efeito direto da crise climática, não tivessem varrido o planeta no ano passado, demandando energia extra em itens como refrigeração e ar condicionado.
A análise da Ember constata que países mais afetados pelo aumento de temperatura responderam com mais energia produzida por fontes fósseis, como China e Índia, com maior consumo de carvão, e os EUA, com gás.
Em termos globais, 2024 foi o ano mais quente da história da humanidade. Foi também o ano em que a demanda mundial por energia ultrapassou pela primeira vez a marca de 30.000 TWh. Comparado a taxas de crescimento inferiores do PIB em diversos países, o aumento de consumo evidencia o fator sazonal provocado pela crise climática.
O crescimento no uso de fontes renováveis, porém, conseguiu dar conta de três quartos desse incremento global de demanda; a fonte solar, sozinha, cobriu 40% do consumo extra. "A energia solar teve uma transição tecnológica muito rápida e, como resultado, se tornou simples de implantar. É modular, muito flexível. É também a forma mais acessível de eletricidade", afirma Nicolas Fulghum, um dos autores do relatório.
Desde 2012, a geração obtida por meio de placas solares dobra a cada três anos. No ano passado, obteve um crescimento anual de 474 TWh, o maior da história em termos absolutos. É a modalidade que mais cresceu nas duas últimas décadas. Sozinha, sua geração mundial conseguiria abastecer a Índia por um ano e ainda evitar o equivalente às emissões do setor energético dos EUA pelo mesmo período.
A ascensão das fontes renováveis, diz Fulghum, é um caminho sem volta. "Acreditamos que a eletricidade limpa crescerá rápido o suficiente para atender a todo o novo crescimento da demanda entre agora e 2030", afirma o analista, ciente de que sua resposta soa muito otimista perto das últimas previsões da AIE (Agência Internacional de Energia).
Segundo a entidade, ligada à OCDE, metade da energia produzida nos EUA na próxima meia década será devorada no desenvolvimento de inteligência artificial. No conjunto dos países desenvolvidos, data centers serão responsáveis por 20% da conta. "Há uma enorme incerteza sobre o quanto isso crescerá. Entre o cenário mais baixo e o mais alto, há uma demanda de eletricidade equivalente a todo consumo da Austrália", explica o pesquisador.
Ainda que seja inevitável o uso de combustíveis fósseis para atender ao aumento da demanda em algumas regiões, a energia limpa deverá ser a alternativa preferida desse tipo de indústria. "Imagine um data center no estado americano da Virgínia ou na Irlanda. Eles precisarão de geração adicional de eletricidade em um prazo realmente curto, algo que não funciona com carvão ou gás, que são projetos de infraestrutura grandes, com longos prazos de execução. A energia eólica é um pouco mais rápida de instalar, e a energia solar é muito mais rápida para entrar em funcionamento."
O caminho inverso, data centers procurarem locais onde já há oferta de energia limpa, também está nos prognósticos da Ember, que vê a América Latina entre os potenciais destinos de investimentos no setor. O nordeste brasileiro, por exemplo, tem excesso de geração, e uma proposta para a questão é atrair empresas de consumo intensivo.
A energia solar já é a fonte mais barata da história. O dado faz o analista ser otimista também diante da administração Donald Trump, que está desmantelando a legislação ambiental dos EUA. O presidente americano quer reverter também boa parte da política energética do país, direcionada para fontes limpas desde que o antecessor Joe Biden formulou e aprovou o Ato de Redução da Inflação.
"As tecnologias que impulsionaram a transição energética nos últimos anos trazem segurança e benefícios financeiros. É a razão pela qual sua adoção está ocorrendo não apenas em países desenvolvidos, mas em todo o mundo. Os EUA serão deixados para trás se escolherem não seguir a lógica econômica."
Fulghum usa o caso do Brasil como exemplo. "O país está colhendo os frutos de uma decisão tomada há duas décadas, após apagões prolongados no início dos anos 2000. A tecnologia não estava lá, à época, mas agora existem, energia eólica e solar, uma matriz diversificada que o Brasil tem construído rapidamente nos últimos dez anos. As duas fontes atenderam o aumento da demanda local por eletricidade nesse período, "que está crescendo rápido, em ritmo chinês, coisa de 5% ao ano", segundo o analista.
A escolha tornou o Brasil o menor emissor per capita do G20 e o terceiro país do mundo em aumento de geração eólica e solar em 2024. "Se toda essa demanda adicional de eletricidade na última década tivesse sido atendida por mais energia de gás ou carvão, o país estaria exposto ao que está ocorrendo nos mercados internacionais agora."